Voltámos para junto dos outros marinheiros. Tínhamos de ser discretos entre a multidão. Contudo, os nossos olhares eram cúmplices. Eu olhava para Jack e só me dava vontade de ir com ele para longe. Sentia-me de novo a jovem apaixonada e desejava tê-lo, e conhecendo o seu olhar, sabia que ele queria o mesmo. Mais que tudo desejava dar uma família a Robin, como sempre desejei e como sempre ele mereceu. Jack devia-lhe isso. E também a mim. Jack ajudou-me a transportar o barril de água até à praia. Robin entretera-se com umas tartarugas marinhas que deram à costa. Estava sentado à beira-mar a observá-las. Sorri ao vê-lo. Porém, o meu sorriso desvaneceu quando me apercebi que outro olhar o observava. Era o capitão Charles que o observava fixamente e isso remexeu comigo. O meu instinto de mãe alertou-me e eu não suportava ver Robin em perigo. Eu e Jack poisamos o barril e eu fui ao encontro do capitão. Robin estava cativado com as tartarugas que nem prestou atenção à presença do capitão.
- Afaste-se dele! - avisei.
- Tanta preocupação menina Deverport... - afirmou virando-se para mim.
- Pensei que tivesse permanecido no seu navio...
- Não é a única que gosta de pisar terra, menina Deverport! - exclamou sarcasticamente. - Esta criança é adorável.
- Deixe o Robin em paz ou mato-o a si com as minhas próprias mãos! - ameacei. Não era uma ameaça qualquer. As minhas palavras descreviam perfeitamente a minha raiva e a minha ira por aquele capitão. Se ele ousasse tocar com um simples dedo no meu filho eu era capaz de lhe arrancar os olhos com as minhas unhas. - Ele sorriu-me sarcasticamente e preparava-se para avançar, mas eu impedi-lo. - Não ouse sequer tocar-lhe! Ou terá de ver o que eu realmente sou capaz!
Ele sorriu achando que o meu tom era apenas uma farsa. - As voltas e os modos que a vida dá! - exclamou. - Fostes uma menina de classe alta, que recebeu a melhor das educações, e agora ameaçais-me matar Jane! - disse aproximando-se de mim. - O mar mudou-te por completo. - fez uma pausa. - Não devia ser tão agressiva menina Deverport, os homens não estão habituados á fúria de uma mulher, e esse facto ainda se pode virar contra si. - finalizou, virando-me as costas e dirigiu-se para um dos botes. A sua personalidade revoltava-me. Achava-se superior a todos os homens que pisavam o mesmo chão que ele. Desfavorecia constantemente as mulheres, o que me deixava ainda mais constrangida. Este pesadelo iria terminar em breve e queria ser eu a dar-lhe um ponto final.
- Jane não desafies o capitão! - exclamou Jack.
- Se ele toca no Robin eu mato-o! - gritei. Apercebendo-me da atenção que tinha dado, atenuei o meu tom de voz. - Ele está a preparar alguma coisa Jack. - afirmei. - Eu tenho medo que ele use o Robin contra nós!
- Jane! - exclamou Jack pondo as suas mãos nos meus ombros. - Eu nunca permitirei que ele vos faça mal. - assentiu. - Vocês são a minha vida, e eu não suportaria perder-vos aos dois, outra vez.
As palavras de Jack conseguiram tranquilizar-me um pouco. Robin aproximou-se de nós com uma das tartarugas na mão.
- Posso levar uma comigo? - perguntou Robin.
Jack baixou-se, ficando do seu nível. - Porque não as devolvemos ao seu verdadeiro lar? - perguntou.
- Eu só queria um companheiro para mim. - suspirou Robin.
- Um companheiro? - perguntei.
- Um animal só meu. - esclareceu.
- Robin, se levares a tartaruga ela acabará por morrer. - expliquei. - O lugar dela é aqui.
Robin ficou pensativo, mas depois sorriu compreensivamente.
- Agora vamos voltar para o navio. - disse Jack pegando-lhe ao colo e correram ambos até aos botes.
Olhei para o navio. Vinha luz do interior do navio. O jantar estaria pronto a ser servido. Não tinha fome sequer, mas o senhor Thomas obrigava-me a comer. Dizia que eu tinha de ter forças para enfrentar cada dia que passava. Peguei num dos caixotes que tinha junto dos meus pés e coloquei-o no bote, sentando-me de seguida esperando que rumássemos de volta ao navio. Olhei para trás e vi a ilha a desvanecer, perguntando-me qual seria a próxima vez que pisaria terra novamente.
(...)
Era noite cerrada. O navio estava à escura. A única luz que tinha era a luz das estrelas que cobriam aquela escuridão. Estava deitada numa das camas de rede no interior do navio e estava sem sono. Robin dormia profundamente ao meu lado, assim como o resto da tripulação. Durante os últimos tempos, tive de aprender a partilhar o mesmo espaço que dezenas de homens. A certas alturas tornava-se mesmo insuportável e saia dali, ficando sentada nas escadas do convés. Tentei fechar os olhos, forçando o sono a vir. De repente uma luz surgiu vinda do fundo das escadas. S vela brilhava e a cera derretia. Era Jack. Aproximou-se da minha cama e baixou-se.
- Vem comigo. - pediu-me.
A luz da vela iluminava o seu rosto. Os seus olhos castanhos pareciam pretos e o seu rosto transpareceu uma tonalidade mais morena. Assenti que sim na cabeça e silenciosamente saí da minha cama. Caminhei calmamente para que a madeira não chiasse e dirigi-me ao convés com Jack. O seu ar estava misterioso e ao mesmo tempo sedutor. O convés estava silencioso e nenhum marinheiro se encontrava caído com uma garrafa vazia ao lado. Depois apercebi-me de que este navio era da marinha real, e não um navio pirata como o meu. Jack encaminhou-me até ao rebordo do navio e iluminou um dos botes que estavam amarrados.
- Esta noite não tens de ficar sozinha. - disse-me. - Eu estou aqui contigo!
Entrámos os dois no bote e Jack colocou a vela por cima de um dos tacos de madeira.
- Não precisamos dela. - disse soprando para a chama da vela. - Olha para o céu. Deitei-me encostada a Jack e ambos observámos as estrelas. Entrelaçamos as mãos e deixámo-nos estar ali abraçados um ao outro, deixando-os envolver pela magia do céu e pela melodia das ondas do mar.